Feminicídio: motivo ou fim da forma subjetiva?

Partindo da afirmação de que a lei brasileira considera feminicídio dois tipos de conduta, uma que se abriga no subjetivo (menosprezo à condição de mulher) e outra no objetivo (violência doméstica), o autor, Lucas Montenegro, em livro publicado pela Marcial Pons, dedica pequena parte do seu prodigisioso texto à análise da forma subjetiva do delito, indagando-se sobre a possibilidade de existir diferença entre os motivos e os fins (o que noutros delitos é relevante e para a dogmática em geral também), afinal, responder “porquê” não é o mesmo que responder “para quê”; noutras palavras, “o agente mata por cupidez, vingança, ciúmes” ou pode matar “para ocultar um crime, receber uma herança”.
Partindo da diferença entre circunstâncias subjetivas de primeira ordem e circunstâncias subjetivas de segunda ordem, afirma que as primeiras são constitutivas do tipo penal, pois incorporadas pelo dolo. Nas segundas, constituem causas de aumento de pena ou agravantes do delito. Porém, como todo motivo pode constituir-se um fim, não haveria sentido prático na delimitação. Mesmo o legislador faz confusão em não realizar estas diferenças, como no caso do problemático tipo do infanticídio, que inclui como circunstância subjetiva o estado puerperal, que jamais será, ele mesmo, o fim perseguido pela conduta, senão a condição subjetiva da agente.
Mas no caso do feminicídio, considerando o que dito anteriormente, bem como o plano das circunstâncias subjetivas de segunda ordem, afirmar que o agente praticou o crime por ódio, sentimentos negativos em relação à mulher, ou intolerância, é o mesmo que dizer que foi cometido para menosprezar, para demonstrar intolerância e ódio. Assim, seria arbítrio utilizarmos a distinção, para o feminicídio, entre motivos e fins, pois só na mente do agente habitaria a real diferença. A lei brasileira é falha exatamente porque não permite realizar, a partir dela, a distinção quanto ao conceito legítimo de feminicídio.
Porém, ainda segundo o autor, a distinção referida merece lugar no pensamento dogmático em geral porque serviria como indicador de bases seguras para estabelecer a diferença entre homicídio simples e qualificado, como também, e aqui digo eu, da razão entre o tipo autônomo de feminicídio e o homicídio.
Vale a pena a leitura do livro e o aprofundamento do debate neste ponto.
Por: Jimmy Deglisson
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